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Atualizações em primeira mão!
A Marcha das Mulheres Negras por Reparação e Bem Viver é um movimento construído por mulheres negras de todo o Brasil, de diferentes gerações, territórios e contextos sociais.
Atualizações em primeira mão!
A Marcha das Mulheres Negras por Reparação e Bem Viver é um movimento construído por mulheres negras de todo o Brasil, de diferentes gerações, territórios e contextos sociais.
Belém, 10 de outubro de 2025
Nós, Mulheres Negras em Marcha por Reparação e Bem Viver, ativistas de organizações engajadas na luta por Justiça Climática, reunidas no dia 10 de outubro de 2025, em Belém do Pará, reafirmamos que não há justiça climática sem justiça racial – protagonizada por mulheres negras, quilombolas, indígenas e comunidades tradicionais.
Somos nós e as nossas famílias quem vivemos nas margens, periferias, encostas, favelas, florestas e sertões e, justamente por isso, carregamos as principais soluções climáticas para os nossos territórios. E neste dia, fundamos o Comitê de Mulheres Negras por Justiça Climática, enraizado na busca por Reparação e Bem Viver.
Este Comitê, que nasce no contexto da COP30 e da Marcha das Mulheres Negras por Reparação e Bem Viver, inaugura uma ampla articulação em defesa da Justiça Climática a partir dos Movimentos de Mulheres Negras no Brasil.
Denunciamos que a crise climática não é neutra. Ela tem cor, raça, gênero e território. A fumaça das queimadas na Amazônia, que envenena o ar e provoca doenças respiratórias; a contaminação da água e do solo pela mineração e pelos agrotóxicos; a fome e a desnutrição que avançam junto com o desaparecimento da comida sem veneno; e o adoecimento mental causado pela insegurança e pelo colapso ambiental: tudo isso compõe o modus operandi do racismo ambiental.
A falta de saneamento, a ausência de políticas públicas adequadas e o abandono de nossos territórios não são acidentes: são escolhas políticas do genocídio antinegro. Exigimos que o Estado reconheça e enfrente o racismo ambiental como eixo central das políticas climáticas e de saúde pública, garantindo ar limpo, água potável, comida saudável e vida digna para os povos negros, indígenas, quilombolas e periféricos.
Estamos organizadas para dizer: Não aceitaremos uma COP30 que apague nossas agendas e nossos corpos-territórios. Estaremos em Belém, como estaremos em Brasília marchando no dia 25 de novembro por Reparação e Bem Viver porque queremos raça e gênero nos textos oficiais, com a presença, saberes e tecnologias ancestrais das mulheres negras no centro das negociações. Levaremos o projeto político elaborado por mulheres negras às mesas de decisão, porque é a partir deste lugar que construiremos uma sociedade justa para todas as pessoas.
Declaramos, ainda, que a militarização prevista para Belém durante a COP30 ameaça a liberdade de circulação e manifestação. Reivindicamos protocolos de segurança que respeitem a nossa atuação política, assegurando que mulheres negras e suas organizações possam se expressar livremente durante a Conferência e em todos os espaços de decisão.
Transformar a política de drogas é proteger a natureza
Nos colocamos contra a falsa guerra às drogas, uma tecnologia colonial e racista de controle territorial e genocídio, continuação da violência histórica inicida no processo de escravização no Brasil. Esta guerra, que nunca foi sobre drogas, mas sobre o controle de nossos corpos e territórios, alimenta diretamente a crise climática ao impulsionar uma economia clandestina que financia o narcodesmatamento, a grilagem, o garimpo ilegal e o agronegócio predatório. Sob o pretexto de combater o tráfico, o Estado promove a expropriação de terras quilombolas e indígenas, a contaminação de nossos rios e solos com agrotóxicos, e a implantação de megaprojetos que nos removem coletivamente a força para lugares precários, intensificando a violência de gênero e o racismo ambiental.
Em nossos corpos de mulheres negras cis, trans e travestis, convergem as opressões do patriarcado racista, do capitalismo extrativista e do Estado genocida, que nos nega sistematicamente o direito à terra, à saúde, à moradia e ao Bem Viver. No contexto urbano, assistimos a contínua exploração e remoção forçada de nossos corpos-territórios para oferecer livremente à especulação imobiliária, conectada com operações ilícitas. Portanto, declaramos que enquanto houver guerra às drogas não haverá justiça climática nos territórios. Nossa luta é pela titulação das terras, pelo fortalecimento de nossas práticas ancestrais de cuidado e pela construção de um futuro onde a vida, em toda a sua diversidade, esteja no centro.
Nossas várias frentes em defesa da vida!
Reafirmamos também o papel das comunidades e povos tradicionais de matriz africana como espaços de preservação da vida, da biodiversidade e da cultura. Os povos de matriz africana carregam o Bem Viver como parte de suas tradições, que não se resumem à religiosidade, e portanto devem ser considerados dentro das plataformas oficiais para comunidades locais. Sem políticas de reparação que reconheçam esses espaços, não haverá transição justa.
Defendemos uma comunicação acessível como estratégia de luta por Justiça Climática. Uma comunicação que alcance as crianças, jovens, pessoas mais velhas e comunidades periféricas, promovendo trocas intergeracionais que potencializem soluções climáticas efetivas nos territórios.
Defendemos políticas de cuidado que dialoguem com o Bem Viver, garantindo saúde, dignidade e tempo para o lazer e o descanso. Defendemos que cada decisão climática reconheça a contribuição histórica e presente das mulheres negras na preservação da natureza.
A filantropia por Justiça Climática precisa apoiar o combate ao racismo ambiental
O financiamento da agenda de Clima deve ser um instrumento contínuo de enfrentamento às desigualdades que atravessam nossos corpos-territórios. É preciso enfrentar as estruturas que fazem com que os impactos da crise climática recaiam com mais força sobre populações negras, indígenas, periféricas e tradicionais. Por isso, os recursos destinados ao enfrentamento da crise devem chegar a quem está na linha de frente da resistência, por meio de mecanismos de doação e não de endividamento das comunidades.
Nós, mulheres negras, historicamente subfinanciadas, somos aquelas que cuidam da vida, protegem os territórios e constroem alternativas sustentáveis. Como vozes autênticas da luta por justiça climática – que só é possível com justiça racial e de gênero -, exigimos que o financiamento climático fortaleça as nossas soluções e reconheça o protagonismo de quem há séculos sustenta a vida neste planeta.
O futuro é ancestral
Muitos fins do mundo foram anunciados para as populações negras ao redor do mundo, e resistimos a todas as tentativas de massacre. Seguiremos organizadas, fortalecendo alianças nacionais e internacionais, denunciando injustiças e apresentando caminhos para uma transição climática justa, enraizada na sabedoria e na força das mulheres negras que se referencia nos saberes e tecnologias.
O futuro é ancestral! E se manifesta em movimentos de luta pelo Bem Viver, na resistência contra as opressões historicamente sofridas e ao epistemicídio, na valorização de saberes e práticas para a emancipação e a criação de futuros possíveis. Somos protagonistas de nossas narrativas e resistimos, defendendo nossas periferias, nossos territórios quilombolas e de matriz africana dos ataques contínuos do agronegócio, da especulação fundiária e imobiliária, das vulnerabilidades visíveis das mudanças climáticas, do nutricídio e da insegurança alimentar e energética.
Reparação e Bem Viver são o nosso horizonte. Justiça Climática é o nosso compromisso e caminho. É por nossas ancestrais, por nossas crianças e por todas as gerações que virão, que hoje lançamos este Comitê.
Porque somos nós que mantemos a vida pulsando mesmo em meio à destruição. E é a nossa voz que ecoará de Belém e de Brasília para o mundo.